Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

voos de mulher

E ela não passava de uma mulher... inconstante e borboleta. [Clarice Lispector]

a matriz transposta da noite

12.10.21 | voosdemulher

noite.jpg

Suspensa na enxada da paixão, procuro a matriz transposta da noite, olho cansadamente para a equação diferencial do desejo, elevo ao quadrado o beijo e, fico com o corpo embrulhado no luar. Hoje pareço uma estrutura metálica prestes a ruir no cansaço da escuridão, como acontece aos pássaros todas as noites quando vão dormir.

Suspensa na enxada da paixão, sento-me perante este rio triste e sombrio, como eu, enquanto um estúpido relógio caminha para o abismo. Não serei mais abrigo ou refúgio para a rendição de pecados que não são meus. Fui a ilusão poética entre os dedos teus. E tu a mentira catastrófica de um vulto que em poeira cósmica se transmutou em adeus.

Amanhã acordará o dia, faz-se homem e, morre junto à noite tranquila da aldeia.

(reeditado)

palavras na vertical

04.10.21 | voosdemulher

degraus.jpg

Quanto mais na vida se acelera o quotidiano mais eu retenho as horas no astrolábio dos resistentes. Lenta, lentamente, permito ao tempo outras perspectivas - sinais abertos a todas as direcções.
Assim me purifico. E no que outros acham não ter sentido, eu pergunto: - e há sentido na vida? Cada um o sente e o julga à sua maneira.
 Há, contudo, um objectivo que nunca descuro - a liberdade - a minha - a da escolha que cabeça e coração sabem poder e dever construir.

Aí reside a minha casa, na sombra dos arbustos, no silêncio do lugar, no tempo das perguntas cujas respostas, inevitavelmente, conduzem a outras perguntas.
Assim sou.

(Teresa Matos, memórias pessoais)

os poetas regressam sempre ao primeiro verso do poema

04.10.21 | voosdemulher

regressarás.jpg

Regressarás, eu sinto,
quando o outono se anunciar 
e as primeiras folhas amarelecidas 
começarem lentamente a tombar.
 
Regressarás, eu sei,
quando as noites forem longas,
as chuvas frias humedecerem 
as memórias espelhadas no rosto 
e o odor a terra fértil se entranhar no corpo.
 
Regressarás, eu acredito 
dobrado pelo arrependimento 
cansado de precoces partidas.
Esperar-te-ei na soleira da porta 
onde me amparo nas horas cruéis 
de crescente solidão e o azul 
dos meus olhos devagar entristeceu.
 
Regressarás, tenho a certeza,
os poetas regressam sempre 
ao primeiro verso do poema.
 
Teresa Matos , Out.2021

não chames por mim

03.10.21 | voosdemulher

escarpas.jpg

Quando me evado 
não chames por mim.
 
Morde as palavras,
guarda o silêncio,
desliza no tempo.
Deixa que a ausência 
permaneça intocável,
clara e luminosa.
 
Como o albatroz, voarei 
rasgando céus,
sobrevoando oceanos.
 
Quando for hora,
junto às escarpas,
descerei.
 
(Teresa Matos)

Pág. 2/2